Definitivamente a ilusão deve ser a minha especialidade, bem que minha terapeuta sempre me lembra de aterrar, sair do meu cabeção e ver as coisas como realmente são, sem expectativas. Sou uma atriz iniciante, estou longe de ter um corpo disponível prontamente, acredito no processo.
Mas ao assistir Ave Maria in Progress com Eugênio Barba e Julia Varley, me decepcionei. Dentro do que entendo de teatro, ou o que observo em todos os que assisto, e não são muitos porque acho chato, é uma composição de significados, e geralmente se desdobra em camadas. Basicamente falando. Nesse caso de Ave Maria, é mais uma composição falando de morte, onde as cores do cenário são branco, vermelho e preto. Caveiras, varal, túmulo de um bebê, uma tábua de passar roupas com um par de luvas com desenho de caveira nos pés da tábua, um imenso chapéu preto, com uma flor vermelha, peças de renda, vermelha e preta, chale, e jornal. O que salva é a atriz. Não pelo seu corpo potente, sua voz de ópera, ou sua enorme vontade de homenagear uma outra atriz já falecida com seu drama, e sua história de sofrimento diante da ditadura chilena e suas perdas. Julia me despertou do tédio da cena, quando Barba interrompia sua ação, e a pedia para repetir. Tantas, e tantas vezes ele interrompeu com palmas, porque antes ela havia dado três passos e agora dois. Que a mão estaria na posição tals, e que o jornal deveria acompanhar uma certa frase. Durante duas horas, ela estava ali. A sua submissão e obediência me atormentaram. Nenhuma reação, nenhuma opinião criadora partia dela, se ele não a questionasse, para que ela resolvesse a cena, ele mandava, ela fazia. Pra mim, 40 % do que foi pedido era atividade, não seguia o fluxo de ações, e talvez esse incômodo proporcionado seja de propósito. Para que começar uma frase com o jornal cobrindo o rosto, e na frase seguinte, abaixá-lo, se ela está de chapelão, chale e um véu negro lhe cobrindo o rosto? E pra que uma voz cavernosa para dar a notícia de uma morte? Que coisa chata!!! Me recuso a acreditar que o Barba compõe uma teatro sublinhado, com elementos que praticamente fazem legenda. Ah, está muito quente aqui. O suor escorrendo pelo meu rosto, o teatro daqui não possui ar condicionado, a platéia toda se abana, meus pensamentos estão muito pessimistas. Depois de ensaiar, repetir o que ele pede por quase 30 minutos ela enfim, compõe a cena com uma música clássica bem emocionante e alta. A voz impostada, a sequência de movimentos, mesmo que alternados entre ação e atividade ( na minha particularíssima e suada opnião) ela vai construindo algo que caminha pra um crescente. O ritmo nos alcança, e nessa hora o Barba não bateu palmas e interrompeu, ele fechou os olhos num suspiro de realização do que de fato ele queria, numa fração de segundos abriu os olhos e sorriu levemente. Ali eu chorei. A relação dos dois, marido e mulher, diretor e atriz, nesse sacerdócio que se chama teatro, me remeteram ao amor de Deus. Sim, na condução que Ele sabiamente vê de sua onipresença, e tenta nos dar, e que não acreditamos.Ele nos interrompe nos sonhos, e nos planos, nos caminhos,até na posição das mãos, e damos "pitis", como uma criança malcriada, Ele sabe o que está vendo e qual a composição e camada dessa cena, nós algumas vezes somos solicitados a resolver, outras devemos apenas obedecer e confiar. Pude ver no semblante de um mortal imperfeito, o aspirar o cheiro, o perfume, o incenso, o aroma do amor que ela proporciona quando está ali verdadeiramente disponível pra obedecer e repetir, e repetir e repetir. O teatro é realmente algo sagrado. É um altar onde derramamos nossos sacrifícios em nome de um amor, em nome do invisivel que apenas se sente, onde o espiritual transpassa o material e tudo vira brasa.\O fogo então consome, fumega, apura, purifica.
Sobre o que é a peça? Não sei, achei chato também, mas reconheci que não existe uma chave, não existe uma técnica, não entre eles, mas sim um comprometimento, um verdadeiro amor ao ofício. É, acho que pode ser um bom começo de festival.