quarta-feira, 24 de abril de 2013

Abrir o coração vale a pena.

Antes de levantar, fiz minha oração de sempre, a mais sincera e tosca: Senhor me ajuda! Mais um dia pela frente, não tem sido dias fáceis. Meu coração anda quebrantado, a imagem da minha mãe careca me choca. Esse câncer maldito esfrega, grita, exclama aos quatro ventos e na minha cara, que ele está ali. Mas eu não posso acreditar que ele vai levá-la, porque a vida dela não pertence a ele, pertence ao meu Jesus.Por isso eu clamo todas as manhãs, e Ele tem me ajudado.Um dia de cada vez. Decidi ser grata, ligar o botão da gratidão e seguir. Fui a academia, fiz minhas tarefas do dia e fui pra aula na escola do Wolf. De coração aberto.Chorei o trajeto inteiro, nada melhor que orar e louvar no congestionamento. Peguei um puta trânsito, e não deu tempo de ir no mercado comprar o meu dever de casa.Pensei que ia passar a aula sem fazer o exercicio proposto, mas graças a generosidade de uma colega, quando houve a troca da dupla, ela me incluiu. O exercicio era levar alguma comida que trouxesse o sabor da infância, e de olhos fechados, a dupla deveria receber esse alimento na boca, sentir o cheiro, comer, e depois falar palavras de um poema anteriormente escolhido com aquele alimento na boca e tudo de olhos fechados. O cheiro era banana, e o alimento talvez um bolo de banana com aveia,ou uma cuca. De olhos fechados imediatamente lembrei da minha mãe, e de uma cuca de banana que ela sempre fazia, e tive tanta saudade. Desabei em prantos na primeira garfada.Cheia de cuca na boca. Tive vontade de sair de lá no final da aula e ir direto tomar café com bolo com minha mãe. Na segunda garfada,eu continuei chorando, mas dessa vez, o gesto da colega me colocou em outro lugar. O de receber. De compartilhar com ela, o mesmo gosto da infância. Comecei a relaxar mais e saborear então aquele momento, a vida, o prazer de sentir e observar essa sensação. Depois disso, nós deveríamos ouvir uma musica bem alta,e quando ela abaixasse, ler a poesia. Eu escolhi Salomão, e Eclesiastes 3. Preciso me agarrar a essa sabedoria e entender que há tempo pra todo propósito debaixo do sol. Antes da minha vez, eu fiz exercicios de respiração em 4 tempos de 4 pra me acalmar. Meu corpo tremia, eu estava muito mexida, com medo, com frio e calor ao mesmo tempo, e com uma lágrima na ponta de cada olho. Quando consegui parar o meu tremor eu levantei. Mas na hora de falar o poema eu chorei, e me expus, me debrucei, me mostrei, tremi, mas respirando eu consegui não travar, nem desabar, falei até o fim. Eu consegui! Eu abri o meu coração e me emocionei com a minha turma. Sábias palavras do Turazzi, abrir o coração vale a pena. Fomos pra segunda aula, e eu, que perdi a aula passada por causa da coluna, demorei pra entender os videos que estavamos vendo.Meu olho ardia,e eu nem lembrei de retocar a maquiagem pra aparecer no video. Sentei ao lado de um colega, que baixinho, confessou que se perguntava ainda, o que ele estaria fazendo ali. Pra não interromper a aula não respondi, mas fiquei pensando sobre isso um tempão. Era hora de levantar e trabalhar, vamos gravar! Um exercicio simples: o ator 1 entra em um set, a procura de um objeto.Enquanto procura, ele é interrompido por dois atores que entram fazendo qualquer coisa, o ator 1 deve se esconder. Depois que os atores atravessassem esse set,e saíssem pela outra porta, o ator 1 deveria dar um telefonema,  receber uma indicação e finalizar a cena. Na primeira cena eu e Desirré atravessamos o set,enquanto o Pedro procurava o objeto.
Logo depois eu fui, e estranhei porque quase não consegui falar no telefone, porque meus atores voltaram pra cena. Acho que falei alto demais, e faria todo sentido eles voltarem.Achei que não foi uma boa cena. Sentei,assisti meus colegas e ja no finalzinho da aula me levantei pra entrar com alguém pra atravessar o set. Claudinho era meu par, não veio nada na minha cabeça, e o Pablo mandou a gente entrar. Ele apenas sussurrou no meu ouvido, se joga no sofá, cena caliente. Ah, que cena foi aquela!!? Embolados no sofá eu perguntei a ele sobre camisinha, e ele me tira uma luva de latex do bolso! "Tenho isso!" Pra não morrer de rir, eu levantei e disse pra gente procurar no quarto. A cena era da Kel, e o Pablo mandou a gente voltar pro set. Ah, pra que? Eu no impulso do jogo, entrei falando que era pra gente fazer sem, que era pra tirar tudo!!Ele foi tirando camisa, blusa...e eu também ia tirar,mas como ficaria pelada? Coelguinha se fudeu em cena, por milésimos de segundos, quando  então eu disse que não podia engravidar!!Nós nos embolamos de novo no sofá e eu vi a Kel atrás da estante. Falei pra ele que tinha alguém na sala. Ele foi atrás dela e eu demorei pra sacar que ele estava  a chamando pro nosso meio. Até que eu entendi, perguntei a ela se tinha camisinha, depois eu mesma achei camisinha numa bolsa, enquanto o Claudinho tentava convecê-la a transar com a gente!E ela toda sem graça!! Uau!!Que jogo, que abismo!Tudo improviso, e muito bom!Sai de lá no 220, rindo, agitada, e tentando lembrar com ele o que a gente tinha feito, porque foi muito intenso!Que sensação boa!Como é bom estar em cena, jogar!! Duas horas antes eu estava um monte de caquinhos, agora eu estava viva, me sentindo inteira!Abri meu coração em frangalhos, recebi a generosidade dos meus colegas, e sai de lá transformada! Viva a arte, viva o teatro, viva o Ring! Gostei de ter ligado o botão da gratidão,abrir o coração vale a pena sim!
P.S: Rosbon, você é um excelente ator!Queria que você soubesse disso, e que toda essa inquietação é pertinente! Ela que nos move, e pra mim, dias como esses justificam tudo.Você estava na porta da escola e compartilhou da nossa energia pós cena! Que bom que você estava lá! Momentos como esse respondem a mesma pergunta que você se faz, também me faço alguma vezes, o que eu estou fazendo aqui?Eu estou me permitindo ser atravessada por essa avalanche de sensações, porque sei que esse é o meu ofício.Bora?

Obrigada Senhor, por mais esse dia!

terça-feira, 23 de abril de 2013

na sala da humildade

Aprender é um dom. Pessoas curiosas tem um brilho nos olhos pelo que é novo, e pelo que me lembro o ser humano foi criado por Deus pra se encantar com a vida e toda sua tranformação constante. Quem não alimenta esse caminho, pode ter uma velhice sem graça, sem histórias para contar. Ver uma flor brotar, um por do sol, golfinhos a nadar, tudo em movimento. Sempre. Aprender é o verbo. 
    Pela primeira vez no Rio de Janeiro, cidade dos estúdios de TV, é aberta uma escola para atores onde se ensina a fazer televisão,com um estúdio "padrão Globo" e cameras exatamente como se faz lá na novela. Escola de Atores Wolf Maya. Com 10 anos de história em São Paulo, finalmente agora em terras cariocas.Deus me permitiu ser atriz, depois de ser outra coisa. E por sete anos tenho me dedicado ao teatro. O Rio de Janeiro realmente carecia desesperadamente por uma estrutura como essa. Somos carentes de salas de teatro. Somos carentes de tudo.Temos cerca de seiscentos atores em média sendo formados a cada semestre em todas as escolas e tem gente muito boa chegando no mercado toda hora, e um mercado que é tão restrito. Tem de brilhar pra sobressair.Tem de bancar!
   Eu soube da escola pelo próprio Wolf, cerca de uns nove meses atrás em um sarau. Ele me falou baixinho no ouvido, como um segredo, que estava trazendo a escola pro Rio, e com o brilho nos olhos de uma criança que vai brincar em um brinquedo novo, no jardim de casa.
   Foram seiscentos inscritos para cento e oitenta vagas. Meu teste foi em um sábado, minha inscrição numero 502. Meu Deus, quanta gente já não passou aqui! Olhei pra mim mesma e fui brincar. Não ia adiantar ficar nervosa, ou esperar algo de um teste tão importante. Atuar é levar a brincadeira a sério profissionalmente. Se eu não me divertir, a platéia não se diverte. Escolhi fazer um texto meu, da Bruma, uma mulher tão ansiosa, mas tão ansiosa, que ela marcou o dia da morte e se matou antes! Nervosa eu estava, mas foi ótimo, me diverti, e passei!
   Agora que vem a melhor parte. Minha sala tem trinta alunos,a maioria profissional com DRT. Tem gente que estudou comigo na faculdade,Patricia Elizardo(Paty) e tem amadores.Também estou fazendo uma pós graduação em licenciatura, porque passei em um concurso pro municipio e preciso dessa licenciatura pra dar aula. Estou em sala de aula, desde que me entendo por gente!Nunca parei de estudar. De alguma forma, fiquei incomodada em fazer aulas de base teatral, enquanto os estúdios, e aulas de vídeo que fazem os meus olhos brilharem! As aulas começaram não tem um mês, e eu me machuquei no estacionamento do Freeway. Atrasada, subi com meu carro em um meio fio bobo, mas quando ele desceu, eu ouvi minha coluna gritar: crec!Dez dia torta de cama. Muito antiinflamatório, bolsa de agua quente, repouso e um questionamento: Será que estou me sabotando? Sim. Por mais que Sheakespeare em Hamlet nos dê a forte frase, que " Estar pronto é tudo". Nunca estamos, de fato, prontos.O ator então vive a arte de se preparar. Ser ator é saber esperar sua hora, pra se jogar no abismo! Isso não é absolutamente insano? Mas nós não sabemos viver sem. Torta, e com todos esse pensamentos, aceitei a impaciência do meu corpo e depois de perder uma semana de aula, retornei. Ainda com um ranso,de ter de viver esse processo todo de novo, encontrei Paty e Turazzi ( Rodrigo) no café do lado da escola e os dois fizeram faculdade comigo, e agora casados fazem a escola também.Ele a tarde, ela na minha sala. Lá do fundo do olhos azuis do Turazzi, vieram as sábias palavras: " Quando eu venho pra cá Manuela, eu tenho de abrir o meu coração. Só assim." Os dois também se incomodaram de alguma forma como eu.Ufa,ainda estou torta, mas já não estou mais sozinha na minha crise!O teatro nos aproxima de pessoas como nós! Um salve a Dionisio!E posso dizer que eles são,dois dos melhores atores que vi na época da faculdade!Decidi que também ia abrir meu coração. Precisava. As aulas de improviso são uma delicia sim. Depois que entendi o processo do jogo de cena, comecei a me divertir mais.No ínicio da faculdade, eu não conseguia.Tinha vergonha de me expor, de errar, de ser rídicula.Não vejo isso em ninguém da minha sala hoje. Todos se jogam e erram, e eu me divirto horrores.Não só abri meu coração, como me permiti sair com eles ontem pra tomar chopps. Nem foi todo mundo, mas a nossa conversa foi bem pertinente. Como estar em sala de aula com amadores, nós sendo profissionais?Os risos fora de hora? A cena boa, que se perde por uma insegurança? Rir do erro do colega pode fazer ele achar que está bom e levar isso pra vida? Nós podemos de alguma forma, neutralizar essas bobagens?Como? GENEROSIDADE. Essa é a palavra.Acolher com amor todas essas formas de se expressar, que nossos colegas apresentam. Como disse também outra sabia Andreia Segatti. Victor também apontou a humildade. Palavra que a gente precisa também. Pedro Jones, o mais didático foi que apontou a possibilidade de neutralizarmos, e sermos o exemplo, do que todos fomos lá aprender. O nosso ofício, o nosso sacerdócio, o nosso chamado. É a grande chance de praticar a generosidade e a paciência. Eu comigo mesma, com meu corpo, com meus medos, com meus colegas, com o meu tempo, com as minhas questões,com meus sonhos. Esse vai ser pra sempre um bom lugar pra se estar: na sala da humildade, de coração aberto.Aos poucos a coluna vai voltando pro lugar.