domingo, 6 de julho de 2014

Briga de Familia

Quem defende que familia é de Deus não sabe muito bem o que está dizendo. É nesse ambiente de familia que construimos nossos maiores traumas e afetos profundos. E não podemos esquecer que nas reuniões em família é que acontece o pior momento para bullying, as crianças são massacradas na frente dos seus primos e tios, e todo mundo acha graça. Bullying na escola é diferente, saiu de lá, você vai pra casa, e tem bullying ali também. Mas isso é velado. Ninguém fala, familia é sagrada.
Não me dou muito bem com a minha familia. Tenho crises de angústia em festinhas de crianças. Deve ser porque sou a única divorciada sem filhos. Como olhar pra todos os pais dessas criancas pra tentar socializar sem se sentir a alienada, olhada de cima abaixo, principalmente pelas esposas, porque não sabe cantar uma música de Galinha Pintadinha,ou do XSPB ? Não sei, e não sou obrigada. Sou linda e magra, isso basta. Me basta, e basta pra ser persona no grata no ambiente.
Hoje foi aniversário de um aninho da filha de um primo. Fui levar a minha mãe na tentativa de estar nesse lugar sem problemas. Não consegui. Tive crise de angústia. Quando era criança meus familiares sempre me trataram como uma mimada e hoje me olham como a encalhada. É o mesmo bullying, na mesma família. Mas agora sou adulta, não preciso ficar ali. Já posso me defender.
Todas aquelas lembrancinhas da Minnie, e todos aqueles enfeites rosa de bolinhas, foi me deixando sem ar. Uma casa de festas maravilhosa,  com comida boa, uma mega estrutura,  muitos garçons e muitas crianças. Depois de uns 10 anos que não via minha tia, irmã da minha mãe,  a única tia de verdade,  e a única irmã que ela tem, foi com ela que tive a minha crise de choro na porta da casa de festas, querendo ir embora. Já tinha feito minha mãe chorar, minha angústia estava do tamanho daquela casa de festas. Eu tentei, eu juro que eu tentei. Mas não deu. Não deu pra posar de prima adulta e resolvida. Confessei pra minha tia todas as minhas reclamações,  e ela ali, no afeto mais puro e verdadeiro, olhando dentro dos meus olhos, me disse que também não gostaria de estar ali, que entendia o tamanho da minha dificuldade,  mas ela estava por causa da minha mãe,  dos filhos dela e dos netos. Ela estava tentando tanto quanto eu. Foi nesse momento me senti afagada em família. O mais verdadeiro olhar familiar segurava nas minhas mãos e me ouvia. Entendi tudo. Quando eu era criança,  nossas festas em família sempre terminavam em briga e bebedeira. Não me lembro quem arrumava as brigas, mas essa minha tia estava em todas. Na mesma hora vem a frase que minha mãe tinha acabado de me falar. " Se eu estivesse no seu lugar, ou eu ia embora, ou eu bebia. Estou bebendo". A culpa das brigas em família é a bebida. Eu, como geralmente não bebo, resolvi ir embora.  Agora escrevendo entendi quase todas as brigas e festinhas. Entendi minha angústia,  um resíduo de comportamento padrão que até então eu não sabia que tinha. Agora posso saber lidar melhor. Minhas memórias,  me afetaram, me tiraram de lá. Mas não sai de casa em vão.
Achei que tinha perdido meu domingo, mas no fundo eu ganhei.
Eu tentei, eu insisti porque na porta quando começou o problema de estacionamento,  eu já queria deixar minha mãe e busca-lá no final. Mas respirei e pedi ajuda a Deus, e consegui parar meu carro e ir pra festinha.
Lá eu ouvi meu primo adulto, bem sucedido,  com um sorrisão tão escancarado e satisfeito,  contando de sua recente caminhada e conquista no trabalho, uma filha linda e fofa, uma festa perfeita e a frase emblemática: " Não pode desistir! Insiste! "
Vi meu outro primo tirar da mochila um prato de criança pra ir se servir no buffet o almoço do filho menor dos três,  que eu nenhum conhecia.Conheci hoje!
Meus primos são homens maravilhosos, e bons pais,  tenho orgulho deles. Os demais primos ainda não haviam chegado. Os brindes da Minnie já estavam começando a falar comigo, eu não estava bem, o ar não chegava no fim do pulmão. Precisava sair dali. Briguei com minha mãe, e como um furacão,  fui embora.
Lá na portaria eu tive o contato mais verdadeiro e esclarecedor da minha história familiar. Minha tia me acolheu, me entendeu, me falou verdades, me olhou nos olhos, me abraçou,  eu me reconheci naquele olhar, eu me vi nela e ela me deixou ir. 
Agora fico me perguntando,  que toda família é realmente assim? Tem suas brigas, suas ralhas, suas diferenças,  mas uma cumplicidade que acolhe. Desde que minha mãe ficou doente,  eu tive de rever minha postura diante da minha família. Apesar de ser fechada pra eles, quando precisei fui sim, acolhida. Expor minhas fraquezas pra eles é um processo libertador. Dói muito. Mas a vida dói. Eu não tenho pra onde correr.
Só fui embora porque minha mãe estaria com a família, minha tia cuidaria dela, e eu poderia sair dessa cobrança social que me persegue é difícil lidar. Não ter filhos. Ainda tenho tempo pra fazer essa escolha, mas o mundo grita que não. Que talvez eu nem tenha essa escolha, que optando por não tê- los, serei excluída do "clube  das famílias felizes e mulheres realizadas" e condenada a ser infeliz e insatisfeita, e olhada de lado pro resto da minha vida. Condenada ao limbo das solteironas que acordam a hora que querem, que podem ir a baladas, festas, viajar, estudar, investir na carreira, sair com o homem que eu quiser, ou não.  Solteironas tem escolhas que mães não tem. Cada uma na sua. Mas como eu sou sempre a primeira a ser olhada de cima abaixo por essas mulheres, isso me afeta. Eu também as olho de cima pra baixo, primeiro porque sou alta, depois porque eu me cuido e geralmente os pescoços dos maridos vem em minha direção e aí que fode a porra toda. Não quero pegar marido de ninguém. Quero paz. Cuidem de seus lindos filhos que vou cuidar da minha vida.
Sociedade patriarcal, mulheres machistas. Somos desunidas desde sempre, uma loucura isso. Por isso me esforço pra ter um relacionamento saudável com minha mãe,  e depois de hoje, também com minha tia. Talvez as únicas mulheres que me importam relacionar no profundo e agora. Obrigada Tia Lúcia.